Por Adary Oliveira
Passados os primeiros momentos da tempestade causada pela
turbulência do Petrolão, o céu começa a clarear e dar esperanças de que a
bonança está por chegar nos mares da Bahia. A indústria de construção e reparo
naval parece estar buscando sustentação não só nas águas calmas, abrigadas e
profundas da Baía de Todos os Santos, mas também no amparo de legislação
montada para viabilizar projetos da Petrobras e que agora socorre empresas que
acreditaram no potencial do setor e nas vantagens comparativas que a natureza
depositou no Recôncavo Baiano.
Os dois principais projetos puxadores da indústria naval na
Bahia, estaleiro Unidade Paraguaçu – BA, na localidade conhecida como Enseada
do Paraguaçu, e o canteiro de obras São Roque do Paraguaçu, construído em 1976 pela
Petrobras, ambos em Maragogipe, estão sendo construídos e ampliados,
respectivamente, por uma nova empresa, Enseada Indústria Naval S.A.
Nas duas unidades, que estão em fase adiantada de montagem,
poderão ser fabricadas sondas de perfuração offshore, módulos, topsides para
navios-sonda, plataformas de produção, navios de apoio, FPSO e jaquetas, além
de sitio de docagem para reparo naval. São sócios da Enseada a japonesa
Kawasaki Heavy Industries, com 30% do total, e a brasileira Enseada Indústria Naval
Participações S.A. Esta última controlada pelas brasileiras-baianas Odebrecht
(50%), OAS (25%) e UTC 25%).
O fato do setor naval estar aquecido e atravessar momento de
forte demanda por equipamentos de exploração e produção de petróleo e gás,
aliado à existência de condições locacionais e fiscais favoráveis ao
investimento, além da presença da experiente Kawasaki na sociedade, tornam o
projeto altamente atrativo, superando os percalços advindos do envolvimento das
três brasileiras na operação Lava Jato. A carteira de encomendas de US$ 6,5
bilhões para a construção de seis sondas de perfuração para o pré-sal e a
construção do estaleiro, que no pico de admissões atingirá 15 mil empregos
diretos e indiretos, ficou ameaçada quando a contratante intermediária, a Sete
Brasil, que está prestes a ser substituída nos projetos da Bahia pela Kawasaki,
viu fazer água em suas fontes de recursos com a suspensão dos US$ 10 bilhões
prometidos pelo BNDES.
Contudo, pelo menos três fatores agem como protetores do
projeto e certamente serão objeto de negociações da Kawasaki com empresários
locais e com o governo. O primeiro deles é o uso do Repetro. Regulado pela Lei
nº 9.826/99 permite que se realize exportações com a saída ficta do território
nacional, ou seja, o bem não precisa sair do território nacional. O produto é
pago em moeda estrangeira a empresa com sede no exterior, sendo considerado
exportado para os fins fiscais. Assim, a Enseada poderá fazer a exportação
ficta das sondas para a Kawasaki no Japão sem que elas saiam daqui. Em seguida,
a Kawasaki poderá alugar o equipamento para que a Petrobras possa usá-lo no
pré-sal.
Como na exportação ficta não há incidência de impostos e o
aluguel é realizado sob admissão temporária, quase nada se paga de tributos.
Apenas, para citar um dos tributos, o ICMS que seria cobrado pelo estado da
Bahia, de 17% por dentro e 20,48% por fora, resultaria na colaboração do
governo de valor equivalente a uma plataforma para cada cinco fabricadas pela
Enseada. O município de Maragogipe ficaria fora dessa isenção e cobraria os
impostos municipais.
O segundo fator, que reduz substancialmente o custo de
fabricação, é derivado do fato de a Enseada poder trazer componentes fabricados
pela Kawasaki, ou por seus parceiros no exterior, com a isenção de impostos
concedidos pelo regime drawback, já que o componente importado vai ser usado na
fabricação de um bem final que posteriormente vai ser exportado. Vale salientar
que esses componentes não são fabricados no Brasil e são os mais caros, por incorporarem
tecnologias mais sofisticadas.
O terceiro fator protetor, igualmente importante, é o
emprego de profissionais locais, tradicionalmente de menor remuneração, na
confecção das partes mais intensivas em mão de obra e menos intensivas em
tecnologia. Tenho convicção de que, apesar das concessões feitas parte a parte,
não se poderia ingressar no curto prazo no sofisticado e altamente competitivo
mundo dos negócios da construção de grandes plataformas e embarcações, por
outro caminho.
Cabe à Enseada elaborar programa bem feito e disciplinado de
absorção de tecnologia e, juntamente com o governo, encontrar uma via que
assegure crescente elevação do conteúdo nacional dos bens aqui produzidos. Que
a Kawasaki seja bem-vinda e que fortaleça, ainda mais, a amizade existente
entre brasileiros e japoneses que habitam pontos diametralmente opostos do
planeta.
Adary Oliveira
Doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento
Regional pela Universidade de Barcelona, Espanha
E-mail: adary347@gmail.com
Fonte: Bahia Econômica