“Aqui ninguém vive de marisco não. Eu mesma já marisquei
muito lá no Guaí. Saía cedo, colocava o cofo na cabeça, saía para mariscar, mas
aqui não tem não. Hoje tô aposentada. Negócio daqui é roça. Sempre foi roça de
mandioca, coser farinha, pronto”. Maria da Conceição da Paixão, 56 anos, mora
na Quizanga, território quilombola onde cerca de 90 famílias vivem da produção
de farinha. Na fala de Maria também se revela sua identidade. Expressões como
cofo (cesto oval usado para transportar mariscos) e coser (torrar a farinha)
são típicas da região.
Às margens do rio Paraguaçu e nos arredores de Maragojipe
estão assentadas 14 comunidades quilombolas: Enseada do Paraguaçu, Buri,
Guerém, Girau Grande, Guaruçu, Tabatinga, Baixão do Guaí, Quizanga, Salamina
Putumuju, Dendê, Porto da Pedra, Zumbi, Topá de Cima e Pinho. Enseada,
onde o Estaleiro está instalado, é a mais populosa.
Das cerca de 3.230 comunidades quilombolas existentes no
Brasil, 462 ficam na Bahia. Só no Maranhão, a concentração de quilombos é maior
– lá são 632 comunidades. Durante oito meses, o antropólogo Vilson Caetano e
sua equipe conviveram com os habitantes das 14 comunidades remanescentes de
quilombos na região de Maragojipe. Professor da UFBA e pesquisador de
antropologia das populações afrobrasileiras, Vilson está à frente da empresa
Brasil com Artes, responsável pelo minucioso levantamento de costumes, saberes
e tradições quilombolas feito a pedido do EEP. O projeto atende a uma
solicitação da Fundação Cultural Palmares (FCP), um dos órgãos que devem
referendar a licença necessária para o Estaleiro entrar em operação.
Sabedoria centenária
Assim como os indígenas, os quilombolas têm relações
estreitas com a natureza e, desde cedo, aprendem a observar atentamente os
movimentos da lua e das marés. Sabem o tempo certo de colher piaçava e dendê,
duas das principais fontes de renda das comunidades. Sabem onde se obtém o
melhor barro e a melhor madeira para construir suas casas ou defumar carnes.
Cultivam plantas medicinais, com as quais fazem os remédios receitados pelos
“curadores”.
“O oficio de curador ou curandeira, rezador ou rezadeira,
mantido ao longo de gerações por algumas famílias, não é cobrado. Mamãe Piani
do Girau Grande, Dona Nega do Quilombo Buri, Seu Sumido do Quilombo Baixão do
Guaí, Dona Jair do Quilombo Dendê, Sr. João do Quilombo Porto da Pedra, Maria
de Safino de Salamina Putumuju são alguns que se tornaram conhecidos pela arte
da cura, ciência do benzimento e do saber cuidar”, descreve o livro Medicina
Quilombola.
Fonte: Navegando Juntos
foto: Rodrigo Siqueira/Brasil com Artes