30 de abril de 2014

A vez e a voz dos quilombos

“Aqui ninguém vive de marisco não. Eu mesma já marisquei muito lá no Guaí. Saía cedo, colocava o cofo na cabeça, saía para mariscar, mas aqui não tem não. Hoje tô aposentada. Negócio daqui é roça. Sempre foi roça de mandioca, coser farinha, pronto”. Maria da Conceição da Paixão, 56 anos, mora na Quizanga, território quilombola onde cerca de 90 famílias vivem da produção de farinha. Na fala de Maria também se revela sua identidade. Expressões como cofo (cesto oval usado para transportar mariscos) e coser (torrar a farinha) são típicas da região.

Às margens do rio Paraguaçu e nos arredores de Maragojipe estão assentadas 14 comunidades quilombolas: Enseada do Paraguaçu, Buri, Guerém, Girau Grande, Guaruçu, Tabatinga, Baixão do Guaí, Quizanga, Salamina Putumuju, Dendê, Porto da Pedra, Zumbi, Topá de Cima e Pinho. Enseada, onde o Estaleiro está instalado, é a mais populosa.

Das cerca de 3.230 comunidades quilombolas existentes no Brasil, 462 ficam na Bahia. Só no Maranhão, a concentração de quilombos é maior – lá são 632 comunidades. Durante oito meses, o antropólogo Vilson Caetano e sua equipe conviveram com os habitantes das 14 comunidades remanescentes de quilombos na região de Maragojipe. Professor da UFBA e pesquisador de antropologia das populações afrobrasileiras, Vilson está à frente da empresa Brasil com Artes, responsável pelo minucioso levantamento de costumes, saberes e tradições quilombolas feito a pedido do EEP. O projeto atende a uma solicitação da Fundação Cultural Palmares (FCP), um dos órgãos que devem referendar a licença necessária para o Estaleiro entrar em operação.

Sabedoria centenária

Assim como os indígenas, os quilombolas têm relações estreitas com a natureza e, desde cedo, aprendem a observar atentamente os movimentos da lua e das marés. Sabem o tempo certo de colher piaçava e dendê, duas das principais fontes de renda das comunidades. Sabem onde se obtém o melhor barro e a melhor madeira para construir suas casas ou defumar carnes. Cultivam plantas medicinais, com as quais fazem os remédios receitados pelos “curadores”.

“O oficio de curador ou curandeira, rezador ou rezadeira, mantido ao longo de gerações por algumas famílias, não é cobrado. Mamãe Piani do Girau Grande, Dona Nega do Quilombo Buri, Seu Sumido do Quilombo Baixão do Guaí, Dona Jair do Quilombo Dendê, Sr. João do Quilombo Porto da Pedra, Maria de Safino de Salamina Putumuju são alguns que se tornaram conhecidos pela arte da cura, ciência do benzimento e do saber cuidar”, descreve o livro Medicina Quilombola.

Fonte: Navegando Juntos
 foto: Rodrigo Siqueira/Brasil com Artes

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